sábado, 14 de fevereiro de 2015

O Estado de tibieza e meios para vencê-la

III. Estado de tibieza

Do que acima se disse deduz-se que o cristão que quiser assegurar sua salvação eterna deverá evitar até as menores faltas, pois esses pequenos regatos tornam-se finalmente em rio caudaloso, no qual a alma miseravelmente se afoga. As faltas repetidas e das quais se não faz caso arrastam a alma pouco a pouco ao estado de tibieza. "Tenho conhecimento de tuas obras e de que não és frio nem quente" (Ap 3,15). 

O Cristão tíbio não ousa voltar as costas por completo a Deus mas também não se incomoda com os pecados veniais, caindo em mil faltas todos os dias, como impaciências, mentiras, murmurações, gulodices, imprecações, apatias, loquacidade, curiosidades, vaidades, apego às honras, boa fama e vontade própria. Não liga importância a estas imperfeições e não pensa em se corrigir delas: "Oh! Antes estivesses frio ou quente, mas porque estás tépido e nem frio, nem quente, começarei a vomitar-te de minha boca", conclui o Senhor. Oh! antes estivesses frio, isto é, em pecado mortal, privado de minha graça, porque sentirias melhor a necessidade de auxílio; mas porque permaneces na tibieza, morno, estás em maior perigo de condenação, aproximando-te cada vez mais, sem te aperceberes, da queda no pecado mortal, da qual dificilmente te erguerás. 

S. Gregório nutre esperanças a respeito de um pecador não convertido; desespera, porém, de uma alma tíbia, que não se importa com sua tibieza. E o motivo está nas palavras do Senhor: "Porque estás morno, começarei a vomitar-te de minha boca". Facilmente se toma uma bebida quente ou fria, não, porém morna, porque esta causa ânsia de vômito. A alma tíbia encontra-se nesse perigo de ser vomitada por Deus, isto é, abandonada por sua graça. Deus retira-se por completo dela, pois causa nojo tomar na boca o que se vomitou. 

Como, porém, começa Deus a vomitar uma alma? Deixando de outorgar-lhe, como dantes, aquelas luzes vivas da fé, aquelas consolações espirituais, aqueles santos desejos, aqueles convites amorosos, aquele gosto sobrenatural que a tornavam fervorosa e generosa; com isso começa a deixar a meditação, a comunhão, as visitas ao SS. Sacramento, as súplicas, ou então continua a praticar esses exercícios, mas com grande contrariedade, desgosto e distração, só para ver-se livre da obrigação, sem devoção nem fervor. Assim começa o Senhor a vomitá-la. 

Ora, como a infeliz então só acha enfado e tédio em seus exercícios de devoção, sem consolação alguma, deixa por fim tudo e cai em pecado mortal. A tibieza, em uma palavra, é uma febre lenta, que apenas se nota, mas que traz irremediavelmente a morte. A alma tíbia nem de longe pensa em se emendar de suas faltas; torna-se mesmo tão insensível aos remorsos que se precipita no abismo sem o pressentir.

VI. Meios contra a tibieza

Mas não haverá então para mim nenhuma esperança mais de salvação? perguntar-me-á uma infeliz alma que se acha no estado de tibieza. Segundo o que foi dito ser-me-á, se não de todo, ao menos quase impossível livrar-me desta miséria. Ouve o que te diz o Senhor: "O que é impossível aos homens, é possível a Deus" (Lc 18,27). Quem reza e emprega os meios necessários, alcança tudo. E que meios são esses? 

1. Se se trata de faltas irrefletidas, de pura fragilidade não causam, no princípio, grande dano, contanto que sejam detestadas com humildade. Deve-se, contudo, notar que há uma dupla humildade a respeito das faltas cometidas: uma santa, provinda de Deus, e uma desregrada, oriunda do demônio. 

A humildade santa é aquela em virtude da qual a alma conhece suas imperfeições, envergonha-se de as haver cometido, confessa o seu nada diante de Deus, arrepende-se e detesta suas faltas, conservando-se, contudo, sempre em paz. Não perde a coragem, nem se inquieta à vista de sua miséria, mas redobra de fervor, confiada em Deus, procurando reparar por suas boas obras e fidelidade no serviço do Senhor as faltas cometidas.

A falsa humildade, porém, é a que perturba a alma, enche-a de inquietação e desconfiança, tornando-a fraca e, por assim dizer, incapaz de qualquer boa obra. 

Ouçamos o que diz S. Teresa a esse respeito: "Se bem que a verdadeira humildade leve a alma a conhecer sua miséria, não causa com isso nem pertubação nem inquietação do coração, antes o consola. Ela torna o coração pesaroso por causa da ofensa cometida contra Deus, mas o dilata também para confiar na sua misericórdia. A alma nesse caso tem bastante luz para se envergonhar de si mesma, de um lado, e doutro para louvar a Deus que por tanto tempo a suportou. A humildade que provém do demônio priva a alma da luz para todo o bem e parece-lhe que Deus leva tudo a fogo e a ferro. É esta uma das mais finas astúcias do demônio." 

Quanto, pois, a essas faltas, inevitáveis em consideração da fraqueza humana, diz muito bem S. Bernardo, que, assim como a negligência é repreensível a seu respeito, não o é menos um grande temor. Devemos detestar esses pecados, mas não perder por isso a coragem, já que o Senhor facilmente os perdoa. "Sete vezes cai o justo, mas torna a levantar" (Prov 24,16). Quem cai por fraqueza, facilmente se levanta. S. Francisco de Sales diz que do mesmo modo como são cometidas despercebidamente as faltas, assim também, se se notar, são reparadas. S. Tomás já dissera o mesmo, ensinando que tais pecados são perdoados indiretamente, quando a alma com fervor, se eleva até Deus, por atos de amor, de submissão, de oferta, etc., que uma alma devota costuma fazer. 

A remissão de tais pecados veniais, é feita por meio dos sacramentos, como nota o doutor angélico; por exemplo, pela recitação do Padre-nosso, pela confissão espiritual, pelo bater no peito, pela bênção de um Bispo, pela água benta, pela oração numa igreja consagrada, etc. Em especial é um efeito dos santos sacramentos e mui particular da santa comunhão, da qual diz S. Bernardino de Sena: A alma, pela comunhão, pode ser levada a uma tão grande devoção, que esta a purifica de todos os pecados veniais. 

2. Se tivermos a infelicidade de cometer alguma vez pecados veniais inteiramente deliberados, não devemos por isso perder a coragem e nos perturbar. Cuidemos então em remediar o mal imediatamente pelo arrependimento e renovação do bom propósito. Se essa desgraça se der muitas vezes, outras tantas vezes devemos nos arrepender e renovar o propósito, confiados em Deus: ele sem dúvida livrará finalmente a alma de tais faltas deliberadas, se ela continuar a agir desta forma. 

Fazer-se santo não é obra de um dia, diz S. Filipe Néri. Quem não abandonar o caminho da perfeição, uma vez encetado, não desespere, que a seu tempo chegará ao termo. Deus permite algumas vezes que caiamos em tais faltas para que fiquemos conscientes de nossa fraqueza e dos crimes que cometeríamos se ele não estendesse sobre nós sua mão poderosa. Essas faltas, ainda que premeditadas, não nos prejudicam muito, se forem raras e, em todo caso, não ocasionam a nossa perdição. 

3. As faltas porém, que facilmente nos arrastam à perdição são as que se cometem com deliberação, e, ao mesmo tempo, por hábito. Ora, isso dá-se especialmente quando nascem de uma paixão ou são filhas da tibieza, isto é, quando não fazemos conta delas, não nos arrependemos, nem nos emendamos. Indiquemos, contudo, os meios para uma alma sair desse triste estado de tibieza:

I. O Primeiro meio é um sério desejo de sair desse estado. Não se tendo esse desejo, deve-se pedi-lo a Deus, confiando na sua promessa: Pedi e recebereis. Enganam-se alguns pensando que Deus não quer que todos se tornem santos. S. Paulo afirma o contrário: "Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação" (1 Tess 4,3). Deus quer, pois, que todos se façam santos, mas cada um nos eu estado: o religioso como religioso, o leigo como leigo, o sacerdote como sacerdote, o casado como casado, o negociante como negociante o soldado como soldado e assim por diante. 

Se desejamos seriamente nos tornar santos, nem nossos pecados antigos nos poderão impedir. Nada posso, diz o pecador a si mesmo, mas final tenho de tratar com Deus, que é infinitamente bom e poderoso. Ora, ele quer que eu tenda à santidade e oferece os meios para isso; logo posso fazer-me santo, não por minha própria força, mas pela graça de Deus que me fortifica: "Tudo posso naquele que me conforta" (Filip 4,13). 

II. O segundo meio é a resolução de se dar inteiramente a Deus. Muitos são os chamados à perfeição, sentem-se convidados pela graça e a ela aspirar e desejam mesmo atingi-la, mas porque não tem energia, nunca chegam a abandonar seu modo de viver, tíbio e imperfeito. Não basta o desejo da perfeição, é preciso ter também a firme resolução de alcançá-la, custe o que custar.

Quantas almas não se contentam só com o desejo, sem nunca dar um só passo nas vias do Senhor? S. Teresa diz: O Senhor só deseja de nossa parte uma resolução decidida, o resto ele mesmo faz. O demônio não teme as almas irresolutas (Fund. 28). A oração mental nos deve levar a empregar os meios que conduzem à perfeição. Alguns se dão a longas meditações e nunca chegam a uma séria resolução. A esse respeito escreve a mesma Santa: eu aprecio mais uma oração curta, que produz grandes resultados, a uma outra de anos, mas que não leva a alma a praticar coisa alguma digna de Deus. 

a) Devemos nos resolver antes de tudo, a empregar todos os nossos esforços para nunca cometermos um só pecado premeditado, por menor que seja, ainda que nos custe a vida. É verdade que todos os nossos esforços, sem a assistência de Deus, são insuficientes para vencermos as tentações, mas Deus quer que nos violentemos, pois só assim nos auxiliará com sua graça, socorrerá a nossa fraqueza e nos dará a vitória. 

Essa resolução enérgica nos desembaraça dos impedimentos de nosso adiantamento e nos incute grande coragem, já que nos dá a certeza de estarmos na graça de Deus. "A certeza mais absoluta possível, aqui na terra, de que estamos na graça de Deus, diz S. Francisco de Sales, não consiste nos sentimentos de amor para com Deus, mas na entrega perfeita e irrevogável de todo o nosso ser em suas mãos e na resolução firme de nunca consentir em um pecado, quer mortal, quer venial."

É de notar, porém, que uma consciência delicada é mui diferente de uma consciência escrupulosa e perplexa. Delicadeza de consciência é indispensável para se fazer santo; ansiedade é uma falta e impedimento. Deves, pois, obedecer a teu diretor espiritual e vencer os escrúpulos, que não são outra coisa senão temores vãos. 

b) Devemos também nos decidir a sempre escolher o melhor e não só o que é simplesmente agradável a Deus, mas sim o que lhe agrada mais e aí nunca devemos fazer restrições. S. Francisco de Sales diz: Devemos começar com uma resolução firme e constante, protestando que queremos, para o futuro, amar a Deus sem reserva. Essa resolução devemos então renová-la sempre (Amor de Deus, c. 12,8). 

S. André Avelino fez o voto de progredir cada dia na perfeição. Quem quiser se santificar não precisa propriamente a isso se obrigar por voto, basta que procure cada dia dar um passo adiante no caminho da perfeição. S. Lourenço Justiniano escreve: Quem uma vez começou a trilhar de todo o coração o caminho da perfeição, sente um desejo contínuo de se adiantar nele, desejo esse que vai crescendo a medida que se adianta na perfeição, visto que cada dia lhe traz mais luz e assim julga que ainda não possui virtude alguma e nenhum bem, e mesmo, quando vê claramente que praticou algum bem, parece-lhe isso tão imperfeito que não lhe dá valor. Daí procede seu contínuo esforço para alcançar a perfeição sem esmorecimento de espécie alguma. 

c) Finalmente, devemos pôr em pronta execução as resoluções tomadas e não esperar até ao outro dia, pois quem sabe se mais tare teremos tempo e vontade para isso? O Espírito Santo nos admoesta: "Tudo o que puder fazer tua mão, executa-o imediatamente, porque no sepulcro, do qual te aproximas, não há lugar nem para a razão, nem para a sabedoria, nem para a ciência" (Ecle 9,10). Isto quer dizer que então não há mais tempo para agir, nem ocasião de merecer; nenhuma sabedoria para se praticar o bem, nenhuma ciência ou experiência para nos aconselhar; depois da morte, o que se fez está feito. Eu o disse: agora eu começo" (Sl 76,11).

S. Carlos Borromeu repetia muitas vezes as palavras: Hoje eu começo a servir o Senhor. Nós também devemos dizer o mesmo, como se nada de bom tivéssemos até agora feito. E, realmente, que fizemos por Deus, se só cumprimos com o nosso dever? Não olhemos para o que fazem os outros ou para o modo por que o fazem, pois pequeno, em verdade, é o número dos que se tornam santos. Renovemos cada dia o propósito de começar a viver só para Deus. "Perfeito é só aquilo que é único em sua espécie", diz S. Bernardo. Se quisermos seguir a maioria dos homens, ficaremos imperfeitos como eles mesmos.

III. O terceiro meio para sair da tibieza é a oração mental. "A meditação põe em ordem as inclinações de nossa alma e dirige nossas ações para Deus, diz S. Bernardo; sem ela nossas tendências se voltam para a terra e nossas ações se dirigem conforme as mesmas e tudo cai em desordem". Quem não pratica a oração mental desata o laço que o prende a Deus, dizia S. Catarina de Bolonha. Não é difícil ao demônio, nesse caso, induzir uma pessoa que ele acha tão fria no amor de Deus a provar alguma fruta proibida. S. Teresa escreve (Vida, c. 8): "Se alguém perseverar na oração, ainda que o demônio induza a cometer muitos pecados, o Senhor não deixará de reconduzi-lo ao porto da salvação". "Quem não ficar parado no caminho da oração, chegará certamente ao fim, ainda que talvez mui tarde", diz ela noutro lugar.

Quanto ao assunto das meditações, nada há mais útil que meditar sobre os novíssimos, a morte, o juízo, o inferno e o céu. Mui útil é a meditação da morte, representando-nos em nosso leito mortuário, tendo o crucifixo na mão, e às portas da eternidade.

Para quem ama a Jesus Cristo e deseja crescer sempre em seu amor, o objeto mais apropriado à meditação é a paixão do divino Salvador. Segundo S. Francisco de Sales o calvário é o monte dos amantes. Todos os verdadeiros amigos de Jesus vivem continuamente nesse monte, onde não se respira outro ar que o do amor divino. À vista de Deus morrendo por nós, por nosso amor, é impossível que ele não seja amado ardentemente. Das chagas de nosso Salvador crucificado partem continuamente setas de amor, que ferem até corações de pedra. Feliz daquele que se detém continuamente no monte Calvário. Ó bem aventurado, ó amável, ó caro monte! Quem te abandonará jamais, ó monte que lanças fogo e abrasas as almas que moram em ti!

IV. O quarto meio para sair da tibieza é a recepção assídua da santa comunhão. A coisa mais agradável a Jesus Cristo que uma alma pode fazer é recebê-lo muitas vezes na santa comunhão. "Para se alcançar a perfeição não há meio melhor que comungar a miúdo", diz S. Teresa. O Senhor ajuda poderosamente a uma tal alma a alcançar a perfeição. Essa mesma santa era de opinião que regularmente as pessoas que comungam repetidas vezes se adiantam muito mais na perfeição e que maior é a observância regular nos conventos onde se recebe mais a miúdo a santa comunhão. Segundo S. Bernardo (In Coena Dom., s. 1), a santa comunhão reprime os movimentos da cólera e da incontinência, as duas paixões que nos assaltam mais frequente e violentamente. Conforme S. Tomás (III, q. 29, a; 6), ela afugenta as tentações do demônio. S. Crisóstomo diz que a santa comunhão cria em nós uma forte propensão à virtude e uma grande prontidão em praticá-la, procurando-nos ao mesmo tempo uma grande paz, tornando-nos fácil e deleitável o caminho da perfeição. Não há sacramento que tanto abrase a s almas do amor divino como a eucaristia, na qual Jesus Cristo em pessoa se nos dá todo para unir-nos a ele por meio de seu amor. Por isso dizia o venerável João Ávila: Quem desviar as almas da comunhão frequente faz o ofício do demônio. Este realmente tem um ódio imenso a esse sacramento, do qual tiram as almas tanta força para progredir no amor de Deus. Mas meu confessor não me diz que devo comungar mais vezes, replicas. Se ele não te diz, pede-lhe permissão; e se ele te negar, obedece, mas não deixes de pedir. - E isso não será orgulho? - Seria vaidade se quisesses comungar contra a vontade de teu confessor, mas não o é se o pedires humildemente licença. Este pão divino exige fome. Jesus Cristo quer ser despejado, quer ardentemente que tenhamos sede dele, diz um pio escritor. O pensamento: hoje comunguei ou amanhã receberei a comunhão, torna a alma mui cuidadosa em evitar as faltas e cumprir a vontade de Deus.

V. O quinto e o mais importante meio para se libertar da tibieza é a oração. Concedendo-nos esse meio, Deus no dá a conhecer o grande amor que nos tem. Que maior prova de amor se poderá dar a um amigo, que dize-lhe: Pede-me o que quiseres, que eu to darei? Pois assim diz-nos o Senhor: "Pedi e dar-se-vos-á, buscai e achareis." (Mt 7,7). A oração é, portanto, todo poderosa junto de Deus, e nos alcança todos os bens. Quem reza, recebe do Senhor tudo o que deseja. Mui belas são as palavras de David: "Bendito seja Deus, que não recusa minha oração, nem me subtrai a sua misericórdia" (Sl 65,20).

Se somos pobres em bens espirituais, queixemo-nos unicamente de nós mesmos. Que compaixão merece um mendigo que, podendo ser provido de tudo por um rico senhor, quisesse ficar na sua miséria, somente para não se ver na necessidade de pedir? "Deus é rico para todos que o invocam" (Rom 10,11). Quando orarmos a Deus lembremo-nos também em nos recomendar a SS. Virgem, a distribuidora de todas as graças. "Deus nos dispensa suas graças, mas pelas mãos de Maria", diz S. Bernardo. Busquemos a graça, mas busquemo-la por intermédio de Maria, pois o que ela busca, encontra, e não pode ser desatendida". Se Maria pedir por nós, estaremos seguros, porque todas as suas súplicas são atendidas.

VI. O Sexto meio é combater as nossas paixões e, em especial a paixão dominante. Mas disso trataremos num capítulo próprio.

Fonte: Escola da Perfeição Cristã - Santo Afonso Maria de Ligório. Cap. IV.

A Tibieza e o pecado venial


Do pecado venial e da tibieza

"Para se restaurar um belo pomar, deve-se primeiro arrancar os espinhos e o mato e plantar árvores que deem fruto. É o que disse o Senhor à Jeremias ao encarregá-lo do cultivo do jardim de sua Igreja: "Eis que te constitui hoje sobre todas as gentes e sobre os reinos para que arranques e destruas... edifiques e plantes" (Jer 1,10). Para nos santificarmos devemos primeiro purificar o nosso coração das faltas e aí plantar as virtudes. O primeiro ofício da piedade consiste na extirpação do pecado mortal: falemos agora do pecado venial e de sua consequência, a tibieza.

I. Malícia do Pecado venial

O pecado venial, ainda que não mate a alma, fere-a, contudo; ainda que não ofenda gravemente a Deus, não deixa de o agravar; não é um mal tão grande como o pecado mortal, mas não deixa de ser maior que outros que possam pesar sobre as criaturas. Uma mentira, uma imprecação, é mal maior que a condenação ao inferno de todos os homens, santos e anjos.

Os pecados veniais ou são deliberados, ou indeliberados. Estes são os que o homem comete sem pleno consentimento e claro conhecimento; os deliberados são os que se cometem com vontade livre e com olhos abertos. Não falamos aqui dos primeiros, isto é, dos que se cometem por pura fragilidade humana: destes nenhum homem fica isento: "Em muitas coisas nós todos caímos" (Tgo 3,2). Todos os homens, mesmo os santos, cometem faltas. "Se dissermos que não temos pecado, seduzimos a nós mesmos e a verdade não habita em nós" (1 Jo 1,8), diz S. João. Por causa de nossa natureza corrompida pelo pecado, trazemos em nós mesmos a inclinação para o pecado, de modo que, sem uma graça especialíssima, qual a concedida à SS. Virgem, é-nos impossível passar a vida sem pecados veniais indeliberados.

Semelhantes faltas Nosso Senhor permite até em seus servos mais fiéis, que se consagraram por inteiro a seu amor, para conservá-los na humildade e mostrar-lhes que cometeriam sem dúvida alguma pecados graves se sua mão divina não os preservasse, pois que tantas vezes sucumbem às faltas leves, apesar de seus bons propósitos e resoluções. Caindo, pois em tais faltas, humilhemo-nos, reconhecendo nossa fraqueza, e avivemos nosso zelo, redobrando nossas orações, para que Deus sobre nós estenda seu braço poderoso e não permita que cometamos pecados mortais. 

Tratamos aqui, portanto, só dos pecados veniais que são cometidos com plena deliberação. Estes, com o auxílio de Deus, podemos evitá-los todos, e assim procedem muitas almas santas que estão resolvidas a antes morrer que cometer um só pecado venial deliberadamente. S. Catarina de Gênova dizia que, para uma alma que está unida a Deus por um puro amor, o menos pecado, é mais intolerável que o mesmo inferno e de si atestava que desejaria antes ser lançada num mar de fogo do que cometer deliberadamente um só pecado venial. E com razão falam assim os santos, pois, iluminados pela luz divina, conhecem claramente que a menor ofensa de Deus é um mal maior que a morte e a aniquilação de todos os homens e anjos. "Quem terá a ousadia de dizer: isto é só um pecado venial, e, portanto não é um grande mal? pergunta S. Anselmo. Se Deus é ofendido, como se poderá afirmar que isso é um pequeno mal?" Se um súdito dissesse a seu rei: Em outras coisas obedecer-te-ei, mas neste ponto não, porque não é de grande importância, que castigo e repreensão não mereceria? S. Teresa dizia: Provera a Deus que temêssemos tanto os pecados veniais como tememos o demônio, pois eles nos podem prejudicar mais que todos os demônios do inferno. E a Santa repetia muitas vezes às suas filhas: Deus nos guarde de todo, mesmo do mínimo pecado venial deliberado. 

Isto vale em especial para uma pessoa religiosa, conforme as palavras de S. Gregório Nazianzeno: Toma a peito que uma única ruga em tua alma mais te desfigura que uma grande chaga aos mundanos. 

Aparecendo diante do rei uma cozinheira com as vestes todas manchadas, não a repreenderá justamente por ser uma cozinheira; mas ficará descontente e indignado vendo uma única mancha nas vestes de sua esposa, a rainha. Do mesmo modo procede Jesus Cristo com as faltas dos mundanos e de suas esposas. Desgraçado é o religioso que não se importa com os pecados veniais: nunca se tornará santo, nunca encontrará a paz. 

Enquanto S. Teresa não se desprendeu de certas faltas pequenas, não fez progresso algum na piedade e sentia-se infeliz vendo-se privada de toda a consolação divina e humana. 

Justamente esta é a razão porque tantas almas consagradas ao serviço de Deus levam uma vida infeliz e não acham a paz; de um lado privam-se das alegrias do mundo e de outro lado não experimentam as consolações espirituais, porque sendo mesquinhas para com Deus, Nosso Senhor também se mostra avaro para com elas. Entreguemo-nos sem restrições a Deus, que também se dará incondicionalmente a nós. "Eu pertenço a meu bem Amado e para mim se volta ele" (Cânt. 7,10). 

II. Consequências do pecado venial

Talvez alguém dirá: os pecados veniais, impedir-me-ão na consecução da perfeição, mas não me espoliarão da graça de Deus nem me privarão do céu, mesmo que cometa muitos, e isso me basta. Quem pensar assim, ouça o que diz S. Agostinho: Como dizes que te basta a salvação? Ao dizeres: basta-me isso, já estarás perdido. 

1. Para bem entenderes essa máxima e veres os perigos oriundos dos pecados veniais deliberados e habituais, pondera que o costume de se cometer pecados veniais produz na alma a inclinação para os pecados mortais. Assim os costume de se conservar pequenas apatias é a origem dos grandes ódios; o hábito de furtar coisas pequenas leva a grandes roubos; uma afeição menos criminosa arrasta à luxúria. S. Gregório diz: A alma nunca fica detida no lugar em que caiu, rola sempre para mais baixo. Como as doenças graves não se originam de uma extravagância considerável, mas de pequenas e contínuas, assim também as faltas graves são muitas vezes resultado de pecados veniais. 

O Pe. Álvarez diz: As apatias continuadas, as curiosidades repetidas, as impaciências e intemperanças amiudadas não matam imediatamente a alma, mas a enfraquecem de tal modo que, se for acometida por uma grave enfermidade, isto é, por uma forte tentação, não poderá resistir e sucumbirá. 

Os pecados veniais, é verdade, não separam a alma de Deus, mas a distanciam dele e a expõem assim ao grande perigo de perdê-lo. Quando Jesus Cristo foi aprisionado no horto, S. Pedro não queria abandoná-lo; mas só de longe é que o seguiu também. Assim também não querem separar-se de Jesus pelo pecado mortal, mas seguem-no de longe, não querendo evitar os pecados veniais. A quantos, porém, não sucede o mesmo que aconteceu a S. Pedro. Apenas entrado na casa do sumo sacerdote, indigitado como discípulo do salvador negou-o com juramento. 

S. Isidoro diz que Deus deixa, com toda a razão, cair em pecados mortais os que não evitam os veniais, em castigo de sua negligência e fraco amor. Já antes dele dissera o Sábio: "Quem despreza as coisas pequeninas, pouco a pouco sucumbirá" (Ecli 19,1). 

Não digas, portanto que é um mal pequeno o hábito de cometer pecados veniais, diz S. Doroteu, mas considera antes suas consequências. O mau costume é uma úlcera que consome o coração, tornando-o fraco para resistir às tentações e roubando-lhes as energias para vencer as grandes. "Não faças pouco caso de tuas faltas por serem pequenas, escreve S. Agostinho, teme-as antes por serem muitas, pois seu número poderá causar a ruína que sua gravidade não ocasionou". E noutra parte: "Acautelas-te para não seres esmagado pelo peso de uma grande pedra, mas não cuidas que podes ser sufocado por um monte de areia." Isso se refere aos pecados veniais que, cometidos continuamente e por costume, sem se cogitar em emenda, tiram ao homem o temor de combater pecados graves. 

Quem não teme muito o pecado, está perto de cometê-lo. Por isso S. João Crisóstomo não hesitou em afirmar que devemos temer quase mais os pecados veniais habituais que os pecados mortais, porque estes inspiram por si terror, ao passo que aqueles são tidos em pouco, pelo que sucede que a alma, por já estar habituada a fazer pouco caso deles, não liga mais importância em cometer pecados graves. O Espírito Santo diz: "Prendei as pequenas raposas, que devastam as vinhas" (Cânt 2,15). Não diz Prendeu os leões, os leopardos, mas as pequenas raposas, pois aqueles são temíveis e por isso acautela-se contra eles se previne-se o dano; no entanto, estas são desprezadas, e afinal arruínam-se por completo as vinhas, aí construindo suas tocas e secando-lhes as raízes da vida espiritual, e assim ocasionam a ruína da alma.

2. Os pecados veniais, pois, cometidos com plena reflexão e por hábito, expõem a alma ao perigo de se perder, porque criam nela uma propensão para o pecado mortal e roubam-lhe a força para resistir às tentações. Mas não é só isso: esses pecados privam-nos também do indispensável auxílio de Deus. Para que nosso espírito disponha nossa vontade para praticar o bem, necessita da luz divina, e para que ela se mostre dócil e obediente aos movimentos da graça, necessita da assistência divina. 

Precisamos também do socorro ininterrupto de Deus contra as potências do inferno, senão sucumbiremos a todas as tentações do demônio, já que não possuímos nós mesmos forças suficientes para resistir-lhe. Deus é quem nos concede essa virtude ou graça e impede o demônio de nos assaltar com tentações a que não resistiríamos. Por isso Jesus Cristo nos ensinou a rezar: "E não nos deixeis cair em tentação" (Mt 6,13). Aí pedimos a Deus se digne livrar-nos de todas as tentações às quais não poderíamos opor resistência. 

Mas que fazem os pecados veniais? Eles nos privam dessas luzes, dessa assistência e proteção de Deus, e então a alma, obscurecida, fraca e árida, perde o gosto do que é celeste e mergulha-se no terrestre, com grande perigo de perder também a graça de Deus. É igualmente em consequência dos pecados veniais que Deus permite ao demônio nos proporcionar tão graves tentações. Uma alma que é avara para com Deus bem merece que Deus se mostre menos liberal para com ela. "Quem semeia pouco também pouco colherá" (De nov. rup. c.23). 

Na visão das sete rochas, o Beato Henrique Suso viu muitos que se deixaram ficar na primeira rocha. Perguntando quais eram esses, Jesus respondeu-lhe: São os tíbios, que se contentam com viver sem pecado mortal e não aspiram a mais alto. À pergunta se eles se salvariam, respondeu-lhe o Senhor: Naturalmente se salvarão se morrerem sem pecado mortal; mas eles se acham em muito maior perigo do que julgam, querendo servir a Deus e à carne, o que é simplesmente impossível, e por isso ser-lhe-á extremamente difícil, em tal disposição, permanecer na graça de Deus". (...)

Fonte: Escola da Perfeição Cristã - Santo Afonso Maria de Ligório.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

São Tomás de Aquino e a prostituta.

POR: EPISÓDIOS DA VIDA DE SÃO TOMÁS DE AQUINO.




Tomás, fechado sozinho no seu quarto, se repousa debaixo de boa guarda, enviam-lhe uma esplêndida jovem, prostituta especializada na sua arte, com a missão de levá-lo à falta por olhares, toques, jogos e outros estratagemas. Quando a vê, ele que exala já o amor esponsal pela sabedoria de Deus, ele o combatente invencível, sente por permissão da divina Providência em vista de triunfo mais glorioso, a excitação da carne que habitualmente tinha sob o domínio da razão. Brandindo um carvão ardente tirado da chaminé, expulsa com indignação a cortesã do seu quarto. Depois, cheio de fervor espiritual, chega ao ângulo do quarto e traça com a cabeça do tição o sinal da Santa Cruz na parede. Prosterna-se em terra e, com lágrimas, pede a Deus que lhe conceda um cinto de perpétua castidade a fim de servir sem corrupção nos combates. Assim rezando e chorando, adormece rapidamente e eis que dois Anjos são enviados para lhe assegurar ter sido ouvido por Deus na vitória de um combate tão difícil. Eles o tomam de cada um dos lados pelos rins e dizem-lhe “Da parte de Deus e a teu pedido, nós te cingimos de um cinto de castidade que nenhuma violência te poderá arrancar. Aquilo que a virtude humana não pode atingir pelo seu mérito, isso te é oferecido em dom pela generosidade divina”. Nunca ele sentirá que este cinto foi forçado intimamente. Isso será repetido pelo testemunho muito seguro dos seus confessores à hora da morte. Jamais ele terá o sentimento de ter violado na sua virgindade ao longo de perigosos combates que travará até à hora da morte. Ele sentirá desde então uma aversão pela aparência das mulheres. Evitará muito cuidadosamente o seu contato, a sua conversação e a sua freqüência. Admiram-no habitualmente por isso e ele, quando o sabe, repete freqüentemente que os homens consagrados às especulações divinas podem rapidamente perder muito tempo a falar na companhia das mulheres, a menos que esses contatos sejam suscitados pela necessidade de uma causa particularmente útil, ou que tratem de Deus e das coisas divinas. «Ele sentiu fisicamente esse aperto angélico e acordou num sobressalto com clamor. Como se inquietam dos seus gritos, ele nada quer revelar do dom de Deus. Mantê-lo-á ostensivamente escondido até à sua morte. Confiar-se-á apenas ao seu companheiro e será este que o contará muitas vezes como exemplo, para louvor de Deus e recomendação dos santos. «Oh bem-aventurada cela exígua onde flameja tal esplendor de inteligência! Oh salutares entraves que contribuem tanto à livre contemplação dos Céus! Oh tentação benéfica, que o inimigo quer levar à queda e que jorra, com a assistência divina, em triunfo da força vitoriosa na luta! Oh provas manifestas e consumadas dos méritos da sua vida e da sua santidade! Aguerrido na sua sensibilidade e lutador indomável, ele não pode ser amolecido pelas delícias nem quebrado pelas afrontas! Oh atleta viril e soldado triunfante! Ele submete o antigo e servil demônio, consegue uma vitória insigne num tão difícil combate e mostra-se digno da coroa em todos os outros! Oh bem aventurado peregrino e hóspede do século, tu conquistas o título de cidadão do Céu e mereces, por dispensa divina, ver os seus concidadãos, tu que a sociedade dos Anjos não renega quando estás cingido de castidade, tu digno de um Anjo pela tua pureza enquanto de bates na Terra pela tua virgindade!»




sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Ai de quem usa da misericórdia de Deus para ofendê-lO - Deus não é idiota!

DE: PREPARAÇÃO PARA A MORTE.
Santo Afonso Ligório.


Lê-se na parábola do joio que, tendo crescido num campo essa má erva juntamente com a boa se-mente, os servos quiseram arrancá-la (Mt 13,29). O Senhor, porém, lhes objetou: “Deixai-a crescer; mais tarde a arrancaremos para lançá-la ao fogo” (Mt 13,30). Infere-se desta parábola, por um lado, a paciência de Deus para com os pecadores, e por outro o seu rigor para com os obstinados. Diz Santo Agostinho que o demônio seduz os homens por duas maneiras: “Com desespero e com esperança”. Depois que o pecador cometeu o delito, arrasta-o ao deses-pero pelo temor da justiça divina; mas, antes de pecar, excita-o a cair em tentação pela esperança na divina misericórdia. É por isso que o Santo nos adverte, dizendo: “Depois do pecado tenha esperança na divina misericórdia; antes do pecado tema a justiça divina”. E assim é, com efeito. Porque não merece a misericórdia de Deus aquele que se serve da mesma para ofendê-lo. A misericórdia é para quem teme a Deus e não para o que dela se serve com o propósito de não temê-lo.
Aquele que ofende a justiça — diz o Abulense — pode recorrer à misericórdia; mas a quem pode recorrer o que ofende a própria misericórdia? Será difícil encontrar um pecador a tal ponto desesperado que queira expressamente condenar-se. Os pecadores querem pecar, mas sem perder a esperança da salvação. Pecam e dizem: Deus é a própria bondade; mesmo que agora peque, mais tarde confessar-me-ei. Assim pensam os pecadores, diz Santo Agostinho. Mas, meu Deus, assim pensaram muitos que já estão condenados.
“Não digas — exclama o Senhor — a misericórdia de Deus é grande: meus inumeráveis pecados me serão perdoados com um ato de contrição” (Ecl 5,6). Não faleis assim — nos diz o Senhor — e por quê? “Porque sua ira está tão pronta como sua misericórdia; e sua cólera fita os pecadores” (Ecl 5,7). A misericórdia de Deus é infinita; mas os atos dela, ou seja, os de comiseração, são finitos. Deus é clemente, mas também é justo. “Sou justo e misericordioso — disse o Senhor a Santa Brígida, — e os pecadores só pensam na misericórdia”. Os pecadores — escreve São Basílio — só querem considerar a metade. “O Senhor é bom; mas também é justo. Não queiramos considerar unicamente uma das faces de Deus”. Tolerar quem se serve da bondade de Deus para mais o o-fender — dizia o Padre Ávila — fora antes injustiça que misericórdia.
A clemência foi prometida a quem teme a Deus e não a quem abusa dela. Et misericordia ejus timenti-bus eum, como exclama em seu Cântico a Virgem Santíssima. A justiça ameaça os obstinados, porque, como diz Santo Agostinho, a veracidade de Deus resplandece mesmo em suas ameaças.
Acautelai-vos — diz São João Crisóstomo — quando o demônio (não Deus) vos promete a misericórdia divina com o fim de que pequeis.
Ai daquele — acrescenta Santo Agostinho — que para pecar confia na esperança!...4 A quantos essa vã ilusão tem enganado e levado à perdição.
Desgraçado daquele que abusa da bondade de Deus para ofendê-lo mais!... Lúcifer — como afirma São Bernardo — foi castigado por Deus com tão as-sombrosa presteza, porque, ao rebelar-se, esperava não ser punido. O rei Manassés pecou; converteu-se em seguida, e Deus lhe perdoou. Mas para Amon, seu filho, que, vendo quão facilmente seu pai havia conseguido o perdão, entregou-se à má vida com a esperança de também ser perdoado, não houve misericórdia. Por essa causa — diz São João Crisóstomo — Judas se condenou, porque se atreveu a pecar confiando na clemência de Jesus Cristo. Em suma: se Deus espera com paciência, não espera sempre. Pois, se o Senhor sempre nos tolerasse, ninguém se condenaria; ora, é larga a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por ele (Mt 7,13). Quem ofende a Deus, fiado na esperança de ser perdoado, “é um escarnecedor e não um penitente”, diz Santo Agostinho.
Por outra parte, afirma São Paulo que de “Deus não se pode zombar” (Gl 6,7). E seria zombar de Deus o querer ofendê-lo sempre que quiséssemos e desejar, a seguir, o paraíso. Quem semeia pecados, não pode esperar outra coisa que o eterno castigo no inferno (Gl 6,8). O laço com que o demônio arrasta quase todos os cristãos que se condenam é, sem dúvida, esse engano com que os seduz, dizendo-lhes: “Pecai livremente, porque, apesar de todos os peca-dos, haveis de salvar-vos”.
O Senhor, porém, amaldiçoa aquele que peca na esperança de perdão.
A esperança depois do pecado, quando o peca-dor deveras se arrepende, é agradável a Deus, mas a dos obstinados lhe é abominável.
Tal esperança provoca o castigo de Deus, assim como seria passível de punição o servo que ofendes-se a seu patrão, precisamente porque é bondoso e amável.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

São Bento e as 2 monjas linguarudas e excomungadas que se levantaram da sepultura e saíram da Igreja.

POR: VIDA DE SÃO BENTO - SÃO GREGÓRIO MAGNO (pág 35)

CAPÍTULO XXIII. AS MONJAS MORTAS RESTITUÍDAS

À COMUNHÃO DA IGREJA.

Gregório: “Dificilmente, Pedro, era a sua palavra, mesmo no trato quotidiano, desprovida de eficácia; pois, tendo alçado aos céus o coração, não lhe podiam as palavras baixar vazias dos lábios. Se, pois, alguma vez dizia algo, não já decidindo, mas somente ameaçando, sua palavra tinha tanta eficácia como se não a tivesse dito apenas duvidosa e condicionalmente, mas já em sentença irrevogável. 
Assim é que, não longe do mosteiro de Bento, viviam num sítio próprio duas monjas, senhoras de nobre linhagem a quem certo homem religioso prestava serviço nas necessidades da vida exterior. Em alguns, porém, a nobreza da raça produz a vileza do espírito, de modo que essas pessoas, recordando que foram um pouco mais do que outras, são menos dispostas a desprezar-se neste mundo; assim eram as duas monjas, as quais não tinham reprimido perfeitamente a língua sob o freio do hábito, e
freqüentemente provocavam à ira, com palavras imprudentes, o homem que lhes prestava serviço nas
indigências exteriores. Este, depois de tolerar por muito tempo tais coisas, dirigiu-se finalmente ao homem de Deus e contou-lhe quantas afrontas sofria. Bento, tendo ouvido como procediam as monjas, logo mandou dizer-lhes: “Corrigi vossas línguas porque, senão vos emendardes, eu vos excomungarei”. Por conseguinte, não proferiu a sentença de excomunhão, mas apenas ameaçou.
As monjas, porém, sem nada mudar dos antigos costumes, morreram dentro de poucos dias e foram
sepultadas na igreja. Ora, quando ali se celebrava a solenidade da Missa, e o diácono clamava como de costume: “Se há alguém excomungado, retire-se do lugar, a ama que as criara e costumava oferecer ao Senhor a oblação por elas, via-as erguerem-se da sepultura e saírem da igreja. Havendo observado muitas vezes que à voz do diácono elas saiam e não podiam ficar no templo, lembrou-se do que o homem de Deus lhes mandara dizer quando ainda viviam, isto é, que as privaria da comunhão eclesiástica, se não emendassem os costumes e palavras. Com grande dor, então, foi referido o caso ao servo de Deus, que na mesma hora deu com sua própria mão uma oblação, dizendo: “Ide, e fazei que esta oferenda seja apresentada ao Senhor em favor delas, e a seguir já não
estarão excomungadas”. De fato, a oferta foi imolada em sufrágio das duas defuntas, e, quando o diácono clamou, segundo o costume, que saíssem os excomungados, não foram mais vistas sair da igreja. Com isto ficou indubitavelmente claro que as ditas monjas, não mais saindo com aqueles que estavam privados da comunhão eclesiástica, a tinham recuperado do Senhor por intermédio do seu servo.” Pedro: “É muito para admirar que esse homem, embora venerável e muito santo, mas ainda vivendo nesta carne corruptível, tenha podido libertar almas já colocadas diante do invisível juízo.”
Gregório: “Acaso, Pedro, não estava ainda nesta carne aquele que ouviu: “Tudo que ligares sobre a terra, será ligado no céu, e tudo que desligares sobre a terra, será desligado no céu” (Mt 16,19) ? O poder dos Apóstolos de ligar e desligar, obtêm-no hoje aqueles que, cheios de fé e santos costumes, ocupam um posto de governo sagrado. Contudo, para que o homem, feito do pó da terra, goze de tamanho poder, veio do céu à terra o Criador do céu e da terra; e, para que a carne julgue também os espíritos, Deus feito carne pelos homens deu-lhe o respectivo poder em sua liberalidade, pois a nossa
fraqueza se elevou acima de si própria pelo fato mesmo de se ter enfraquecido sob si mesma a força de Deus.” Pedro: “Em verdade, com o poder dos milagres concorda a eficácia das palavras do santo.”

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Jesus explica os tipos de misericórdia que Ele aplica.


POR: REVELAÇÕES DE SANTA BRÍGIDA.

Existe a misericórdia, pela qual o corpo é castigado e a alma preservada, como ocorreu com meu servo Jó, cuja carne foi sujeita a todo tipo de dores, mas cuja alma se salvou. O segundo tipo de misericórdia é aquela mediante a qual o corpo e a alma são preservados como foi o caso do rei que viveu com todo tipo de luxos e não sentiu dores nem em seu corpo nem em sua alma enquanto esteve no mundo. O terceiro tipo de misericórdia é a que faz com que corpo e alma, sejam castigados resultando que ambos experimentam angústias em seu corpo e dor em seu coração, como é o caso de Pedro, Paulo e outros Santos. Há três estados para os seres humanos no mundo. O primeiro estado é daqueles que caem em pecado e se levantam de novo. Algumas vezes, permito que estas pessoas experimentem angústias em seu corpo para que se salvem. O segundo estado é o daqueles que vivem sempre com o objetivo de pecar. Todos os seus desejos se dirigem ao mundo. Se fazem algo por mim, muito de vez em quando, o fazem com a esperança de conseguir benefícios temporais de engrandecimento e prosperidade. A estas pessoas não se lhes dão muitas dores de corpo nem do coração. Permito que sigam com seu poder e desejos, porque eles receberão aqui sua recompensa até
pelo mínimo bem que tenham feito por mim, pois lhes espera um castigo eterno, tanto como eterna é sua vontade de pecar. O terceiro estado é o daqueles que têm mais medo de pecar contra mim e de contrariar minha vontade do que do castigo em si. Antes, prefeririam o insuportável castigo eterno a provocar conscientemente minha ira. A estas pessoas, se lhes dão tribulações no corpo e no coração, como é o caso de Pedro, de Paulo e de outros Santos, de forma que corrijam suas transgressões neste mundo. Também são castigados, durante certo tempo, para merecerem uma glória maior, ou como exemplo para outros. Expliquei esta tríplice misericórdia aplicada a três pessoas deste reino cujos nomes tu conheces.