sábado, 14 de fevereiro de 2015

A Tibieza e o pecado venial


Do pecado venial e da tibieza

"Para se restaurar um belo pomar, deve-se primeiro arrancar os espinhos e o mato e plantar árvores que deem fruto. É o que disse o Senhor à Jeremias ao encarregá-lo do cultivo do jardim de sua Igreja: "Eis que te constitui hoje sobre todas as gentes e sobre os reinos para que arranques e destruas... edifiques e plantes" (Jer 1,10). Para nos santificarmos devemos primeiro purificar o nosso coração das faltas e aí plantar as virtudes. O primeiro ofício da piedade consiste na extirpação do pecado mortal: falemos agora do pecado venial e de sua consequência, a tibieza.

I. Malícia do Pecado venial

O pecado venial, ainda que não mate a alma, fere-a, contudo; ainda que não ofenda gravemente a Deus, não deixa de o agravar; não é um mal tão grande como o pecado mortal, mas não deixa de ser maior que outros que possam pesar sobre as criaturas. Uma mentira, uma imprecação, é mal maior que a condenação ao inferno de todos os homens, santos e anjos.

Os pecados veniais ou são deliberados, ou indeliberados. Estes são os que o homem comete sem pleno consentimento e claro conhecimento; os deliberados são os que se cometem com vontade livre e com olhos abertos. Não falamos aqui dos primeiros, isto é, dos que se cometem por pura fragilidade humana: destes nenhum homem fica isento: "Em muitas coisas nós todos caímos" (Tgo 3,2). Todos os homens, mesmo os santos, cometem faltas. "Se dissermos que não temos pecado, seduzimos a nós mesmos e a verdade não habita em nós" (1 Jo 1,8), diz S. João. Por causa de nossa natureza corrompida pelo pecado, trazemos em nós mesmos a inclinação para o pecado, de modo que, sem uma graça especialíssima, qual a concedida à SS. Virgem, é-nos impossível passar a vida sem pecados veniais indeliberados.

Semelhantes faltas Nosso Senhor permite até em seus servos mais fiéis, que se consagraram por inteiro a seu amor, para conservá-los na humildade e mostrar-lhes que cometeriam sem dúvida alguma pecados graves se sua mão divina não os preservasse, pois que tantas vezes sucumbem às faltas leves, apesar de seus bons propósitos e resoluções. Caindo, pois em tais faltas, humilhemo-nos, reconhecendo nossa fraqueza, e avivemos nosso zelo, redobrando nossas orações, para que Deus sobre nós estenda seu braço poderoso e não permita que cometamos pecados mortais. 

Tratamos aqui, portanto, só dos pecados veniais que são cometidos com plena deliberação. Estes, com o auxílio de Deus, podemos evitá-los todos, e assim procedem muitas almas santas que estão resolvidas a antes morrer que cometer um só pecado venial deliberadamente. S. Catarina de Gênova dizia que, para uma alma que está unida a Deus por um puro amor, o menos pecado, é mais intolerável que o mesmo inferno e de si atestava que desejaria antes ser lançada num mar de fogo do que cometer deliberadamente um só pecado venial. E com razão falam assim os santos, pois, iluminados pela luz divina, conhecem claramente que a menor ofensa de Deus é um mal maior que a morte e a aniquilação de todos os homens e anjos. "Quem terá a ousadia de dizer: isto é só um pecado venial, e, portanto não é um grande mal? pergunta S. Anselmo. Se Deus é ofendido, como se poderá afirmar que isso é um pequeno mal?" Se um súdito dissesse a seu rei: Em outras coisas obedecer-te-ei, mas neste ponto não, porque não é de grande importância, que castigo e repreensão não mereceria? S. Teresa dizia: Provera a Deus que temêssemos tanto os pecados veniais como tememos o demônio, pois eles nos podem prejudicar mais que todos os demônios do inferno. E a Santa repetia muitas vezes às suas filhas: Deus nos guarde de todo, mesmo do mínimo pecado venial deliberado. 

Isto vale em especial para uma pessoa religiosa, conforme as palavras de S. Gregório Nazianzeno: Toma a peito que uma única ruga em tua alma mais te desfigura que uma grande chaga aos mundanos. 

Aparecendo diante do rei uma cozinheira com as vestes todas manchadas, não a repreenderá justamente por ser uma cozinheira; mas ficará descontente e indignado vendo uma única mancha nas vestes de sua esposa, a rainha. Do mesmo modo procede Jesus Cristo com as faltas dos mundanos e de suas esposas. Desgraçado é o religioso que não se importa com os pecados veniais: nunca se tornará santo, nunca encontrará a paz. 

Enquanto S. Teresa não se desprendeu de certas faltas pequenas, não fez progresso algum na piedade e sentia-se infeliz vendo-se privada de toda a consolação divina e humana. 

Justamente esta é a razão porque tantas almas consagradas ao serviço de Deus levam uma vida infeliz e não acham a paz; de um lado privam-se das alegrias do mundo e de outro lado não experimentam as consolações espirituais, porque sendo mesquinhas para com Deus, Nosso Senhor também se mostra avaro para com elas. Entreguemo-nos sem restrições a Deus, que também se dará incondicionalmente a nós. "Eu pertenço a meu bem Amado e para mim se volta ele" (Cânt. 7,10). 

II. Consequências do pecado venial

Talvez alguém dirá: os pecados veniais, impedir-me-ão na consecução da perfeição, mas não me espoliarão da graça de Deus nem me privarão do céu, mesmo que cometa muitos, e isso me basta. Quem pensar assim, ouça o que diz S. Agostinho: Como dizes que te basta a salvação? Ao dizeres: basta-me isso, já estarás perdido. 

1. Para bem entenderes essa máxima e veres os perigos oriundos dos pecados veniais deliberados e habituais, pondera que o costume de se cometer pecados veniais produz na alma a inclinação para os pecados mortais. Assim os costume de se conservar pequenas apatias é a origem dos grandes ódios; o hábito de furtar coisas pequenas leva a grandes roubos; uma afeição menos criminosa arrasta à luxúria. S. Gregório diz: A alma nunca fica detida no lugar em que caiu, rola sempre para mais baixo. Como as doenças graves não se originam de uma extravagância considerável, mas de pequenas e contínuas, assim também as faltas graves são muitas vezes resultado de pecados veniais. 

O Pe. Álvarez diz: As apatias continuadas, as curiosidades repetidas, as impaciências e intemperanças amiudadas não matam imediatamente a alma, mas a enfraquecem de tal modo que, se for acometida por uma grave enfermidade, isto é, por uma forte tentação, não poderá resistir e sucumbirá. 

Os pecados veniais, é verdade, não separam a alma de Deus, mas a distanciam dele e a expõem assim ao grande perigo de perdê-lo. Quando Jesus Cristo foi aprisionado no horto, S. Pedro não queria abandoná-lo; mas só de longe é que o seguiu também. Assim também não querem separar-se de Jesus pelo pecado mortal, mas seguem-no de longe, não querendo evitar os pecados veniais. A quantos, porém, não sucede o mesmo que aconteceu a S. Pedro. Apenas entrado na casa do sumo sacerdote, indigitado como discípulo do salvador negou-o com juramento. 

S. Isidoro diz que Deus deixa, com toda a razão, cair em pecados mortais os que não evitam os veniais, em castigo de sua negligência e fraco amor. Já antes dele dissera o Sábio: "Quem despreza as coisas pequeninas, pouco a pouco sucumbirá" (Ecli 19,1). 

Não digas, portanto que é um mal pequeno o hábito de cometer pecados veniais, diz S. Doroteu, mas considera antes suas consequências. O mau costume é uma úlcera que consome o coração, tornando-o fraco para resistir às tentações e roubando-lhes as energias para vencer as grandes. "Não faças pouco caso de tuas faltas por serem pequenas, escreve S. Agostinho, teme-as antes por serem muitas, pois seu número poderá causar a ruína que sua gravidade não ocasionou". E noutra parte: "Acautelas-te para não seres esmagado pelo peso de uma grande pedra, mas não cuidas que podes ser sufocado por um monte de areia." Isso se refere aos pecados veniais que, cometidos continuamente e por costume, sem se cogitar em emenda, tiram ao homem o temor de combater pecados graves. 

Quem não teme muito o pecado, está perto de cometê-lo. Por isso S. João Crisóstomo não hesitou em afirmar que devemos temer quase mais os pecados veniais habituais que os pecados mortais, porque estes inspiram por si terror, ao passo que aqueles são tidos em pouco, pelo que sucede que a alma, por já estar habituada a fazer pouco caso deles, não liga mais importância em cometer pecados graves. O Espírito Santo diz: "Prendei as pequenas raposas, que devastam as vinhas" (Cânt 2,15). Não diz Prendeu os leões, os leopardos, mas as pequenas raposas, pois aqueles são temíveis e por isso acautela-se contra eles se previne-se o dano; no entanto, estas são desprezadas, e afinal arruínam-se por completo as vinhas, aí construindo suas tocas e secando-lhes as raízes da vida espiritual, e assim ocasionam a ruína da alma.

2. Os pecados veniais, pois, cometidos com plena reflexão e por hábito, expõem a alma ao perigo de se perder, porque criam nela uma propensão para o pecado mortal e roubam-lhe a força para resistir às tentações. Mas não é só isso: esses pecados privam-nos também do indispensável auxílio de Deus. Para que nosso espírito disponha nossa vontade para praticar o bem, necessita da luz divina, e para que ela se mostre dócil e obediente aos movimentos da graça, necessita da assistência divina. 

Precisamos também do socorro ininterrupto de Deus contra as potências do inferno, senão sucumbiremos a todas as tentações do demônio, já que não possuímos nós mesmos forças suficientes para resistir-lhe. Deus é quem nos concede essa virtude ou graça e impede o demônio de nos assaltar com tentações a que não resistiríamos. Por isso Jesus Cristo nos ensinou a rezar: "E não nos deixeis cair em tentação" (Mt 6,13). Aí pedimos a Deus se digne livrar-nos de todas as tentações às quais não poderíamos opor resistência. 

Mas que fazem os pecados veniais? Eles nos privam dessas luzes, dessa assistência e proteção de Deus, e então a alma, obscurecida, fraca e árida, perde o gosto do que é celeste e mergulha-se no terrestre, com grande perigo de perder também a graça de Deus. É igualmente em consequência dos pecados veniais que Deus permite ao demônio nos proporcionar tão graves tentações. Uma alma que é avara para com Deus bem merece que Deus se mostre menos liberal para com ela. "Quem semeia pouco também pouco colherá" (De nov. rup. c.23). 

Na visão das sete rochas, o Beato Henrique Suso viu muitos que se deixaram ficar na primeira rocha. Perguntando quais eram esses, Jesus respondeu-lhe: São os tíbios, que se contentam com viver sem pecado mortal e não aspiram a mais alto. À pergunta se eles se salvariam, respondeu-lhe o Senhor: Naturalmente se salvarão se morrerem sem pecado mortal; mas eles se acham em muito maior perigo do que julgam, querendo servir a Deus e à carne, o que é simplesmente impossível, e por isso ser-lhe-á extremamente difícil, em tal disposição, permanecer na graça de Deus". (...)

Fonte: Escola da Perfeição Cristã - Santo Afonso Maria de Ligório.

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