sexta-feira, 25 de julho de 2014

A morte é anti-natural e a alma dos salvos só será plenamente feliz quando estiver unida ao corpo. A necessidade da ressurreição dos corpos.


POR: COMPÊNDIO DE TEOLOGIA (SÃO TOMÁS DE AQUINO)


COMO A SEPARAÇÃO ENTRE A ALMA E O CORPO SEJA CONFORME E CONTRA A
NATUREZA.

1 — Parece que a separação entre a alma e o corpo não é acidental, mas conforme a
natureza. O corpo do homem é composto de elementos contrários. Ora, seres assim são naturalmente corruptíveis. Logo, o corpo
humano é naturalmente corruptível.
2 — Estando o corpo corrompido e sendo a alma incorruptível, ela deve, ao separar-se,
necessariamente permanecer, como já foi explicitado. Ora, assim sendo, a separação entre a alma e
o corpo apresenta-se como sendo conforme à natureza.
3 — Devemos agora ver como essa separação deva ser contra a natureza. Já foi acima
demonstrado que a alma racional, diferentemente do modo das outras formas (substanciais) excede
a faculdade de toda matéria corporal, como se verifica pela sua operação intelectual, que se realiza
sem o corpo. Para que a matéria corpórea lhe fosse apta de modo conveniente, foi também
necessário que alguma disposição fosse acrescida ao corpo, pela qual este se tornasse matéria
conveniente a tal forma. Como, além disso, essa forma só por Deus é posta na existência pela ação
criadora, assim também aquela disposição que excede à natureza corpórea só por Deus foi conferida
ao corpo humano, disposição essa que deveria conservar o corpo incorrupto, de modo a
corresponder à perpetuidade da alma. Essa disposição, com efeito, permanece no corpo do homem
enquanto a sua alma adere a Deus.
Afastando-se, porém, a alma de Deus pelo pecado, é conveniente que o corpo humano perca
também aquela disposição sobrenatural pela qual submetia-se de modo imóvel à alma. É assim que
o homem fica incurso na necessidade de morrer.
4 — Considerando-se, portanto, a natureza do corpo, a morte é-lhe natural. Considerando-se,
porém, a natureza da alma e a disposição conferida, no início, ao corpo humano, por causa da alma,
a morte é-lhe acidental e contra a natureza, já que é natural que a alma esteja unida ao corpo.

COMO, PARA A PERFEITA BEATITUDE, A ALMA DEVE UNIR-SE NOVAMENTE AO
CORPO.

1 — Deve-se considerar que não pode haver imobilidade total da vontade, a não ser que o
seu desejo natural seja plenamente satisfeito. Tudo que é feito para estar por natureza unido a outra
coisa, naturalmente deseja essa união, pois cada coisa deseja aquilo que lhe é conveniente por
natureza. Ora, como a alma humana une-se naturalmente ao corpo, como já se disse acima, há nela
desejo natural para unir-se a ele. Por isso, não haverá perfeita quietude da vontade, senão após nova
união com o corpo. Nisto consiste a ressurreição.
2 — Além disso, para a perfeição final, requer-se a primeira perfeição. Ora, a primeira
perfeição de cada coisa consiste em estar perfeita na sua natureza, e a perfeição final consiste na
consecução do último fim. Para que a alma seja totalmente perfeita no fim, é necessário que esteja
também perfeita na sua natureza, o que não acontece senão estando ela unida ao próprio corpo.
A alma é, por natureza, uma parte do homem, enquanto é forma (substancial), e nenhuma
parte está perfeita por natureza, senão quando unida ao todo. É exigido, pois, para a última beatitude
do homem, que a alma novamente se una ao corpo.
3 — Finalmente, o que existe acidentalmente e contra a natureza não pode ter duração
eterna. Ora, é necessário que estando a alma separada do corpo, esse estado lhe seja acidental e
contra a natureza, se por natureza ela deve unir-se ao corpo. Eis porque a alma não estará para
sempre separada do corpo. Ora, como a sua substância é incorruptível, como já foi visto, conclui-se
que ela deva novamente unir-se ao corpo.

OS HOMENS NÃO RESSURGEM COM DEFEITOS.


É também conveniente que todos os defeitos naturais sejam afastados dos corpos dos
ressurgidos.
1 — Por todos esses defeitos é quebrada a integridade da natureza humana. Porém, se é
conveniente que na ressurreição a natureza humana seja integralmente reparada por Deus, é também
conseqüente que esses defeitos sejam afastados.
2 — Além disso, esses defeitos originam-se de uma falha da virtude natural, que foi o
princípio da geração humana. Ora, na ressurreição não haverá outra virtude operante, senão a
divina. Logo, tais defeitos dos homens aqui gerados não estarão neles, após terem sido reparados
pela ressurreição.

QUE ATIVIDADE TERÃO OS RESSURGIDOS.

Cada ser vivo deve ter uma operação para a qual se dirija em primeiro lugar, e nisto se diz
que consiste a sua vida;
como dos que se dirigem, em primeiro lugar, para a voluptuosidade, diz-se deles que levam vida
voluptuosa; dos que se entregam à contemplação, que têm vida contemplativa; dos que, ao governo
do povo, que realizam vida política.
Acima foi demonstrado que os ressurgidos não se alimentarão, nem usarão dos prazeres
venéreos, para o que parece que se ordenam as demais funções corpóreas. Afastadas essas funções
corpóreas, permanecem as operações espirituais, nas quais, já o dissemos, consiste o fim último do
homem. Atingir esse fim cabe aos ressurgidos livres do estado de corrupção e de mutabilidade,
como já foi acima demonstrado.
O fim último do homem não consiste em quaisquer atos espirituais, mas em que Deus seja
visto na sua essência, como se falou acima. Ora, sendo Deus eterno, é necessário que a nossa
inteligência se una também à eternidade. Como dos que se entregam à voluptuosidade, diz-se deles
que vivem uma vida voluptuosa, assim também os que possuem a vida divina têm vida eterna,
conforme escreve São João: "Esta é a vida eterna — que Te conheçam como Deus verdadeiro." (Jo
17,3.)

VER A DEUS É A SUMA PERFEIÇÃO E O SUMO DELEITE

1 — Deve-se também considerar que o deleite é gerado pela apreensão do objeto
conveniente à potência, como a vista deleita-se pela apreensão das belas cores, e o gosto, com
suaves sabores. Mas o deleite dos sentidos pode ser impedido por uma indisposição do órgão
sensitivo, como acontece com os olhos doentes, aos quais a luz é desagradável. Entretanto, sabemos
que aos olhos sãos, ela é agradável. Como, porém, a inteligência não conhece por meio de órgão
corpóreo, como foi demonstrado, o deleite que lhe vem da contemplação da verdade não é
contrariado por tristeza alguma. Contudo, acidentalmente, pode a tristeza acompanhar a apreensão
intelectiva, enquanto aquilo que é conhecido pela inteligência é apreendido como nocivo, havendo,
no caso, satisfação na inteligência pelo conhecimento da verdade, e tristeza na vontade, causada
pela coisa conhecida, não enquanto é conhecida, mas enquanto nociva ao ato voluntário. Ora, Deus,
naquilo mesmo que é, é a verdade. Por conseguinte, não pode a inteligência ver a Deus e não se
deleitar também, simultaneamente, dessa visão.
2 — Ademais, Deus é a própria bondade que motiva ao amor. Logo, é necessário que essa
bondade seja amada por todos os que a apreenderem.
Se bem que uma coisa, mesmo sendo boa, possa não ser amada, podendo até ser odiada, isso
acontece, não porque seja apreendida como bem, mas enquanto o é como nociva. Na visão de Deus,
que é a própria bondade e verdade, convém que, como há conhecimento compreensivo de Deus, haja também o amor, isto é, a posse deleitável,
conforme se lê em Isaías: "Vereis, e o vosso coração se alegrará." (Is 66,14.)

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